domingo, 11 de setembro de 2016

Uma análise revisionista de Adorno e Horkheimer em “A Dialética do Esclarecimento” Walace Ferreira1 Palavras-chave: Esclarecimento, capitalismo, indústria cultural, teoria crítica, sociedade moderna Escrita em 1947, “Dialética do Esclarecimento” representa fundamental obra da chamada “teoria crítica” das ciências sociais, sendo seus autores da primeira geração da “Escola de Frankfurt”, caracterizada pelo pensamento crítico e altamente reflexivo a respeito da sociedade moderna. Adorno e Horkheimer fazem um tipo de macro-sociologia, em que o indivíduo aparece refém de uma sociedade marcada pelo amplo processo de “esclarecimento”. Vivendo no conturbado contexto da Alemanha nazista, suas observações são frutos do combate ao processo de racionalização que foi exacerbado com o Iluminismo. O nascimento dessa escola tem tudo a ver com o clima de mobilização da esquerda tradicional que emergiu na Europa entre guerras, com a onda vermelha do sovietismo invadindo a Europa do Leste rumo à Alemanha Oriental. Os principais intelectuais da “Escola de Frankfurt”, que possuíam pensadores de variadas formações, tinham como principais pressupostos a crítica ao racionalismo enquanto ideologia da humanidade e a crítica aos sistemas que reproduzem essa ideologia e controla a sociedade, numa tendência marxista que se misturou com a influência freudiana e weberiana. 1 Doutorando em Sociologia no Instituto Universitário do Rio de Janeiro (IUPERJ). Área de Interesse: Política Externa Brasileira. E-mails: walaceuerj@yahoo.com.br ou wferreira@iuperj.br. CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais Ano 2, Volume 5, Dezembro 2008 332 CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais Ano 2, Volume 5, Dezembro 2008 333 O termo “dialética”, no livro, representa as transformações constantes da vida social, de modo que a dialética defendida é aquela mais próxima da dialética hegeliana, visto que para Hegel as transformações se davam no mundo das idéias, daí passando para a vida material. Desse modo, Adorno e Horkheimer acusam o racionalismo kantiano, segundo o qual a razão era defendida como instrumento de ajuda do homem a se separar da natureza, delimitando-a e dominando-a. Para Kant, a razão libertava o homem do medo da natureza, representando os valores iluministas que separam o homem da natureza e o sujeito do objeto. Já a expressão “esclarecimento” aparece como sinônimo de “Iluminismo” ou “Ilustração”, ou até do conjunto de modelos de desenvolvimento racionais que vigoram nas diversas esferas sociais, um sistema instrumentalizado que se mantém enquanto uma ideologia minando qualquer outra perspectiva de ação e pensamento que não seja a racional. Além disso, em Adorno e Horkheimer, o temo é usado para designar o processo pelo qual os sujeitos se libertam do medo de uma natureza desconhecida, à qual atribuem poderes ocultos para explicar seu desamparo em face dela. Por isso mesmo, o “esclarecimento” de que falam não é exatamente, como no Iluminismo, ou na Ilustração, um movimento filosófico de uma determinada época, mas um processo pelo qual, ao longo da história, os homens se libertam das potências míticas da natureza. O “esclarecimento” criticado por Frankfurt, nesse sentido, se constitui de uma série de fenômenos modernos, dentro dos quais encontramos o processo de racionalização, que rompe com a tradição e faz com que os hábitos de vida modernos sejam guiados pela lógica do cálculo e da previsibilidade; a desmitologização do mundo, que leva o homem moderno a deixar de lado suas crenças antigas, levando-o a apostar tão-somente nas crenças baseadas na razão; a matematização do conhecimento, que considera como conhecimento válido apenas aquilo que é comprovado e testado segundo a lógica racional da ciência moderna; o saber como aparato de dominação, visto que os detentores do domínio racional no tempo moderno executam a prática de dominação política e econômica sobre o mundo, de modo que poder e conhecimento aparecem como sinônimos; a alienação do indivíduo, levando o sujeito moderno à condição de refém da técnica racional como verdade; a universalização do fetiche, com os homens deixando-se enganar pela aparência da sociedade capitalista e do seu meio de produção e exposição do seu estilo de vida; e a exacerbação da técnica, fazendo com que os métodos burocráticos e tecnicistas, baseados na racionalidade, no cálculo e na disciplina, sejam tidos como os mais corretos no desenvolvimento das diretrizes modernas. CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais Ano 2, Volume 5, Dezembro 2008 334 Importante salientar que a “razão” criticada por Adorno e Horkheimer é a chamada Razão Instrumental, também chamada de técnica, que decorre da racionalidade do “esclarecimento”. Pois alegam que a lógica proposta pela razão técnica é fria e quantificadora, tendo sido hipertrofiada pelo desenvolvimento do industrialismo e do homem capitalista, se disseminando por todas as esferas da modernidade. O efeito desse fenômeno é o fim do pensamento, a desvalorização da filosofia, e o desenvolvimento da lógica utilitarista e imediatista. Assim, a razão técnica utiliza o número como arma, que mantém o pensamento preso a mera imediatidade, tal como se faziam nas guerras da época e no nazi-fascismo. Por isso os autores ressaltarem que o “esclarecimento” torna-se totalitário, por estabelecer o processo das relações sociais de antemão e de forma burocratizada. O homem do “esclarecimento”, segundo Adorno e Horkheimer, é um homem que equivocadamente se considera livre, pois toda e qualquer forma de animismo, de particularismo ou dogma sucumbe diante do diagnóstico racional e da mentalidade insistente em busca de verdades. Daí que o desencantamento do mundo é meta da razão instrumental, e com esse desencantamento esvaem todos os costumes e tradições, fé e religiosidades, vivências e experiências de vida que não são adequáveis aos moldes racionais de observação e classificação. Na medida em que o Iluminismo trouxe para o centro do mundo o homem e não Deus, o indivíduo deixou de se identificar junto à natureza como seu meio original, passando a transformá-la, utilizando-a para fins lucrativos2 . Alienados na situação atual, os homens modernos são filhos da sociedade industrial burguesa. Para ilustrar a fala acerca da sociedade burguesa, Adorno e Horkheimer usam duas metáforas, os mitos de Ulisses com a sereia e o de Marquês de Sade. O simbolismo desta construção se representa através de dois heróis fundadores da sociedade burguesa, visto as suas posturas se revelarem por meio da objetividade, característica marcante desta sociedade. Na era industrial, o progresso constante é fator fundamental para o desenvolvimento da vida social. Contudo, a valorização frenética pelo desenvolvimento significa o empobrecimento do pensamento bem como da experiência, pois a limitação do pensamento à organização e à administração inclui também a limitação do espírito. Como efeito das condições de trabalho nesta sociedade, força-se o conformismo e a impotência dos trabalhadores, levados a condições mecânicas de trabalho. 2 No entanto, ressaltam Adorno e Horkheimer, que este processo de desmitologização não é um processo que se reduz ao projeto iluminista do século dezoito, mas um processo que vem de muito tempo, pelo menos da Grécia antiga, num processo que foi se desenvolvendo, até chegarmos ao seu eclipse moderno. CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais Ano 2, Volume 5, Dezembro 2008 335 A mecanização das relações sociais da modernidade atingiu tal ponto de sobreposição ao homem que ela determina até mesmo as mercadorias que serão aproveitadas em sua diversão. Assim, até mesmo no lazer e na felicidade, as pessoas reproduzem o próprio processo do trabalho estabelecido pelas relações capitalistas de produção. O trabalho intelectualizado se perde, e o homem se torna um reprodutor de funções padronizadas e relativamente repetitivas. Como expressão dessa sociedade burguesa, aparece com grande destaque na obra o fenômeno que os autores chamam de “Indústria Cultural”. Esta terminologia é usada para substituir o temo “cultura de massa”, que alegam não passar de uma falsa idéia sobre o consumo, a qual satisfaz os interesses dos veículos de comunicação de massa, pretendendo dar a entender que se trata de algo como uma cultura surgida espontaneamente das massas. Na visão crítica de Adorno e Horkheimer, ao aspirar a integração vertical de seus consumidores, a indústria cultural não apenas adapta seus produtos ao consumo das massas, mas também determina o seu próprio consumo. Com isso, a indústria cultural, que traz em seu bojo todos os elementos característicos do mundo industrial moderno, reduz a humanidade em indivíduos que podem satisfazer aos interesses da liderança desse processo. A indústria cultural, por sua vez, impede a formação de indivíduos autônomos e conscientes, capazes de decidir por conta própria os seus desejos e as suas vontades. Como dito, o próprio lazer é moldado pelas diretrizes culturais capitalistas, e a diversão torna-se uma extensão do trabalho, envolvendo relações de dinheiro, de interesse e de disputa. Tolhendo a consciência das massas e instaurando o poder da mecanização sobre o homem, a indústria cultural cria condições favoráveis para a implantação do seu tipo de comércio. Como exemplo, mencionam o cinema, que suscita o desejo e sugere, através das suas imagens, um mundo irreal a ser cobiçado pelos indivíduos. Daí a comercialização da imagem ser alvo de forte crítica, na medida em que as expressões cinematográficas são construídas a partir de interesses econômicos de mercado. Dessa maneira, o cinema não se apresentaria mais como arte, não passando de um negócio. Criando necessidades ao consumidor, a indústria cultural organiza-se para que o indivíduo compreenda sua exata condição de consumidor, ou seja, fazendo dele apenas um objeto desta indústria, ao mesmo tempo em que este indivíduo se satisfaz e se perpetua no renovável e dinâmico ciclo consumista capitalista. Ademais, o próprio produto decorre de uma necessidade do homem, desencadeada a partir de novos círculos de necessidades. Gerase, assim, compulsão de novos e renovados produtos para fins já existentes ou recriados pelos manipuladores dessa indústria. É assim que se instaura a dominação, ao mesmo tempo, CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais Ano 2, Volume 5, Dezembro 2008 336 natural e ideológica. Nesse sentido, a relação entre consumo e produtividade se tornou de tal modo articulada com a modernidade que uma expressa a outra, ou seja, cada manifestação da indústria cultural reproduz as pessoas tais como as modelou a indústria em seu todo. Tendo em vista os aspectos levantados, podemos concluir dizendo que “Dialética do Esclarecimento” é um clássico fundamental para as ciências sociais, e consiste num misto de desespero e pessimismo por parte de Adorno e Horkheimer, uma vez que viam a sociedade e os homens modernos asfixiados pela dura realidade que os cercava. Dessa forma que o capitalismo foi interpretado por eles como um modo de produção que atomizava as pessoas, levando-as a buscarem seus objetivos pessoais através do utilitarismo, de modo que acabavam prisioneiras do próprio capital. Ao escreverem o livro, já depois de terem saído da Alemanha, os autores tiveram enorme contribuição sociológica, na medida em que desenvolveram decisiva visão acerca da sociedade moderna burguesa e capitalista, abrindo margem para outras gerações da teoria crítica, as quais tiveram o mérito de adaptar o discurso frankfutiano aos novos tempos. Bibliografia: ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. (1985), Dialética do Esclarecimento. Tradução de Guido Antonio de Almeida, Rio de Janeiro, Zahar Editores. BENJAMIN, Walter; HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W; HABERMAS, Jürgen. (1983), Textos Escolhidos (Os Pensadores). 2º edição, São Paulo, Abril Cultural. DOMINGUES, José Maurício. (2004), Teorias Sociológicas no Século XX. 2º edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.


























































































































































































































































































































































Teoria Crítica - estudos importantes: "Dialética do Esclarecimento" e indústria cultural

Renato Cancian, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
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Um estudo importante - e talvez o mais representativo da vertente teórica da Escola de Frankfurt - é o que foi elaborado por Adorno e Horkhiemer em 1947, intituladoDialética do Iluminismo, também publicado com o título de Dialética do Esclarecimento.

Nesse livro os autores denunciam as estruturas ideológicas da dominação política (referindo-se à crise da democracia e à ascensão dos regimes totalitários naEuropa), a corrida armamentista, o desenvolvimento da indústria bélica, além dos conflitos armados e das injustiças sociais gerados pelo desenvolvimento do modo de produção capitalista (ou seja, pelo capitalismo industrial). Todos esses problemas são interpretados como resultado da "crise da razão" e do Iluminismo.

Conforme registram os autores, o Iluminismo inaugurou a modernidade, ao colocar a razão e a ciência como elementos potencializadores do desenvolvimento e progresso social; e, por conseguinte, da emancipação humana.

Theodor Adorno e Max Horkheimer, como de resto todos os intelectuais frankfurtianos, não renegam o projeto da modernidade - cujo núcleo é formado pela racionalidade ou reflexividade e a crença nos princípios do progresso científico -, mas argumentam que tanto a racionalidade como a ciência se transformaram em instrumentos de dominação política, social e econômica.

A crítica da "razão instrumental" é justamente a crítica dirigida contra os obstáculos e os impedimentos à concretização do projeto emancipador do homem, preconizados séculos atrás pelos ideólogos e filósofos iluministas.

Além disso, notam os autores que, no mundo moderno, o avanço da ciência e da técnica é um processo inexorável, ou seja, permanente. O progresso científico representou o domínio do homem sobre a natureza, mas se desvirtuou por completo ao ser utilizado para ampliar a dominação do homem sobre o próprio homem.
 
A indústria cultural
Theodor Adorno também é autor de importante estudo sobre a chamada "indústria cultural", conceito inovador que foi contraposto ao de "cultura de massa".

O conceito de indústria cultural foi elaborado por Adorno a partir da análise crítica da obra de Walter Benjamin. Partindo da utilização da "técnica" (ciência e tecnologia) na produção e reprodução das artes, em particular aquelas associadas à comunicação social (cinema, rádio, televisão, imprensa e outras mídias), Adorno demonstrou que na sociedade industrial capitalista a produção da arte é explorada como um "bem cultural".

A mercantilização da cultura, transformada em um empreendimento empresarial, tolhe a consciência dos indivíduos e os transforma em meros consumidores de bens culturais. As consequências são muitas, entre elas a homogeneização ou massificação dos gostos a partir da imposição de um estilo de consumo.

Nesse aspecto, não existe cultura de massa, pois é a indústria cultural que determina e impõe à sociedade o consumo de bens culturais. Como um empreendimento capitalista que persegue o lucro, a indústria cultural também cria necessidades de consumo de bens culturais. Assim, o suposto potencial revolucionário ou emancipador de algumas artes, como o cinema, por exemplo, conforme apontam as teses de Benjamin, é flagrantemente criticado no estudo pioneiro de Adorno.

A crítica da indústria cultural, principalmente dos chamados meios de comunicação de massa, se aprofundou nos estudos de Jürgen Habermas, cientista social alemão que integrou a segunda geração de intelectuais filiados à Escola de Frankfurt.
 
Movimentos sociais de esquerda
A reflexão e análise crítica envolvendo os mais variados aspectos da realidade social do século 20 - economia, política, sociedade e cultura, sobretudo os relacionados com a sociedade industrial capitalista -, aliada ao engajamento político-intelectual e ao protesto humanístico, são todas características marcantes da Teoria Crítica.

Sem dúvida, a Teoria Crítica exerceu grande influência nos movimentos sociais de esquerda e nos movimentos estudantis da Europa Ocidental e dos Estados Unidosno final da década de 1960.
Renato Cancian, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação é cientista social, mestre em sociologia-política e doutor em ciências sociais. É autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: gênese e atuação política - 1972-1985".














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