Economia
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A economia brasileira à beira do precipício
por Carlos Drummond — publicado 14/11/2016 00h12
Antonio Pinheiro, Fernanda Carvalho/ Fotos Públicas

Foi preciso que 120 bancos, gestores de recursos, distribuidoras, corretoras, consultorias e empresas não financeiras confirmassem, na segunda-feira 31, a piora das expectativas econômicas para o noticiário abrir uma brecha na produção incessante de notícias otimistas. Participantes da pesquisa Focus do Banco Central, aquelas instituições aumentaram sua previsão anterior de queda do Produto Interno Bruto neste ano, de 3,22% para 3,30%, e reduziram a projeção de expansão do PIB, em 2017, de 1,23% para 1,21%.
As revisões apenas confirmam as análises dos economistas preocupados com as graves consequências da austeridade fiscal radical do governo, PEC 55 incluída, na intensificação da crise. Um desses efeitos é a queda vertiginosa da arrecadação federal de setembro em 8,27%, diante do mesmo mês de 2015. Foi o menor recolhimento de impostos e tributos dos últimos sete anos, informou a Receita Federal.
A suposta melhora das expectativas dos empresários no início do atual governo, apoiada em presumidos bons efeitos do arrocho fiscal na economia, não se confirmou. Ainda na segunda-feira, a Fundação Getulio Vargas divulgou a queda da confiança em 15 dos 19 setores industriais pesquisados e a diminuição do Índice de Expectativas do setor de serviços em 4,3 pontos, para 86,7 pontos, no maior recuo desde setembro do ano passado. Esse rebaixamento, diz a FGV, sugere acomodação e o início de uma fase de ajuste para baixo.
Os indicadores decepcionantes incluem o desemprego de 11,8%, segundo o IBGE. No terceiro trimestre, a taxa foi 2,4%, a maior na crise atual. Não fosse o pequeno aumento da força de trabalho, em 0,8%, em vez do 1,8% dos trimestres anteriores, “a taxa de desocupação atingiria 12,7%, isto é, muito além dos 11,8% verificados pelo IBGE”, chama a atenção o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Isso porque a taxa de desocupação é o porcentual de desocupados em relação ao total de integrantes da força de trabalho.
A situação das empresas também é grave, com o recorde histórico de 244 pedidos de recuperação judicial em setembro. No mês anterior, houve 137 solicitações e em setembro de 2015, 147. Nos primeiros nove meses deste ano, o aumento acumulado chegou a 62% em relação ao mesmo período do ano passado.
Há diminuição generalizada na concessão de crédito, mas o encolhimento adquire maior magnitude para as empresas, com recuos de 12,5% no primeiro trimestre, 13,9% no segundo e 16,4% no terceiro, mostram dados do Banco Central e do Iedi. O crédito para a aquisição de veículos diminuiu respectivamente 20,4%, 14,5% e 7,8%. No crédito pessoal, houve retrações de 14,8%, 8% e 9,8%.
A contração dos financiamentos e as altas taxas de juro pioraram a situação financeira das firmas, com grandes estragos a partir de 2010, mostra trabalho do Centro de Estudos do Mercado de Capitais do IBMEC sobre o endividamento de 605 empresas não financeiras. Os dados agregados indicam endividamento crescente entre 2010 e 2015, acompanhado de redução da relação entre geração de caixa e despesas financeiras, com forte queda no ano passado, quando a geração de caixa passou a representar só 58% das despesas financeiras.
Os efeitos combinados da recessão, desvalorização cambial e queda dos resultados das vendas “fizeram com que 49% das empresas apresentasse geração de caixa inferior ao valor das despesas financeiras, porcentagem essa que era de 22,6% em 2010”. Dados do primeiro semestre de 2016 relativos somente às companhias de capital aberto mostram um aumento da proporção com geração de caixa inferior às despesas financeiras, de 50,2%, em 2015, para 54,9%, nos 12 meses terminados em junho de 2016. Essa situação financeira resulta do crescimento do seu endividamento entre 2010 e 2016, combinado à queda das vendas e redução da margem de geração de caixa, com ápice em 2015 a partir do agravamento da recessão, do forte impacto da desvalorização cambial e da elevação da taxa de juros sobre o valor da dívida e das despesas financeiras a ela associadas. “Com isso, metade das pesquisadas não tem conseguido gerar caixa nem para cobrir as despesas financeiras.” 

Nas exportações, saída habitual para atenuar o efeito da queda das vendas internas, a situação é problemática, avaliam os analistas do Iedi. O saldo da balança comercial em outubro, de 2,3 bilhões de dólares, foi o menor desde fevereiro, inclusive quando aferido pela média por dia útil. A média diária de exportações chegou a 686,1 milhões, com queda expressiva de 10,2% diante de outubro de 2015. Essa piora recente pode ser “um sinal dos efeitos da valorização da taxa de câmbio, que ultrapassa 20% entre janeiro e outubro, em termos nominais”. Há outro motivo de preocupação com o desempenho da balança comercial. O recuo da importação de bens de capital em outubro e a queda da produção interna desses bens em setembro, de 7,2% diante do mesmo mês no ano passado, mostra que “as perspectivas para o investimento não são das melhores”.
Entre todos os setores empresariais, a indústria é acompanhada com especial preocupação por seu papel estratégico na inovação, no aumento da produtividade e na geração de empregos de maior qualidade. Aí também não há notícias alvissareiras. A produção industrial cresceu 0,5% em setembro, segundo dados do IBGE. É pouco, diante da queda de 3,5% em agosto. Além de que a elevação se limitou a 9 dos 28 setores acompanhados pela instituição.
“Dessa maneira, restam poucas dúvidas de que foi ruim o desempenho da indústria no terceiro trimestre do ano. A queda de 1,1% diante do segundo trimestre de 2016 interrompeu, na série com ajuste sazonal, uma trajetória de redução das perdas iniciada na virada do ano e que já começava a dar alguma esperança de recuperação”, concluem os redatores do informativo Análise Iedi. A queda da produção da indústria como um todo foi de 11,5% no primeiro trimestre, 6,6% no segundo e 5,5% no terceiro.
Melhores perspectivas dependem em grande medida de uma política econômica apropriada à recuperação, mas daí não surgem sinais animadores. O oposto é verdadeiro. O arrocho fiscal atrofiou o BNDES, único banco fornecedor de crédito de longo prazo a taxas viáveis para os investimentos das empresas. A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos e a Federação das Indústrias de São Paulo protestaram contra o pagamento antecipado ao Tesouro Nacional de 100 bilhões de reais transferidos ao BNDES no governo anterior, mas o banco já respondeu que considera a medida essencial para melhorar o desempenho fiscal e a confiança do mercado.
A quitação desidrata a linha de crédito Financiamento de Máquinas e Equipamentos (Finame), o dispositivo mais próximo de uma política industrial no País. Uma proposta de emenda constitucional em tramitação no Senado prevê a retirada do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) do banco público e pretende-se liquidar a carteira da BNDESPar.
Por temor de complicações com a Lava Jato, a instituição anunciou, no mês passado, a suspensão de pagamentos e a revisão de 47 contratos de exportação de serviços de engenharia de empreiteiras implicadas na operação, no valor de 13,5 bilhões de reais.
Receia-se o descarte definitivo das empreiteiras nacionais por meio de relicitações dos projetos com contratação de construtoras estrangeiras. Um cálculo desta revista estima em 31 bilhões de reais o valor de projetos aprovados de aeroportos, rodovias e mobilidade urbana, com capacidade de gerar 900 mil empregos, parados porque o financiamento com o BNDES contratado com as vencedoras das licitações não sai, por estarem envolvidas na Lava Jato.
A obstinação do governo em impor uma austeridade anacrônica e muito além da capacidade de absorção da economia e da sociedade é garantia de perenização de uma crise, em boa medida, desnecessária.
*Reportagem publicada originalmente na edição 924 de CartaCapital, com o título "Um verso a partir da dor". Assine CartaCapital.
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A querela psicanalítica do consumo
Mais do que decidir sua solução, as muitas discussões psicanalíticas sobre o consumo podem iluminar a posição do problema
TAGS: consumo, psicanálise
Christian Dunker
A ideia de consumo conspícuo foi introduzida por Veblen em 1899 para designar a atitude da classe média norte-americana interessada em adquirir produtos e bens com a função de assinalar sua posição social como classe “emergente”. O consumo conspícuo é um tipo de patologia do reconhecimento. O processo de escolha soa vulgar, a decisão de compra figura imprópria, a performance de uso é inautêntica, e o conjunto cai como “mostração”. Essa demanda de diferenciação realiza um esforço de ajustamento e o legítimo desejo de ser reconhecido como “alguém”. Ela é um apelo ético para suspender a indiferença ressentida que nos transforma em apenas “mais um indivíduo”. Uma aspiração estética genuína a sermos reconhecidos como “únicos” em nossa relação de consumo singular.
O que fazer quando o lugar de onde viemos não combina mais com a posição na qual nos encontramos? Esse é o elemento histórico decisivo na mudança do papel social da cultura na modernidade. Quando pessoas sem origem precisam tomar posição em meio a outras percebidas como donas do lugar, a cultura torna-se signo de ascensão social e terreno real da luta por reconhecimento. Começa a tensão entre cultura popular e erudita. Instala-se a querela do luxo, na qual o consumo é percebido como um mal necessário. A parábola da colmeia (Mandeville, 1714) estabelece a relação liberal canônica entre vícios privados e benefícios públicos. A falsa escolha forçada entre o consumo progressivo de bens inúteis e o entrevamento regressivo em uma cultura de subsistência.
Pelo consumo, três exigências se expressam: autenticidade, autonomia e não dependência. Daí que ele envolva três “soluções típicas” atinentes à forma como nos desligamos de um lugar de origem (não dependência), subjetivamos um complexo de desejos (autonomia) e destinamos o resíduo que acompanha a operação de consumo (autenticidade). Lacan argumentou que a psicanálise precisa fazer a crítica desses três ideais modernos: autonomia, independência e amor concluído (autenticidade). Mas ele pensava o problema do ponto de vista da produção e da autoridade simbólica necessária para sustentar as inversões entre desejo de reconhecimento, reconhecimento de desejo, assim como o destino do que sobra. Quando passamos da produção para o consumo, o terceiro termo ganha primazia. Na querela psicanalítica sobre o luxo, há os que consideram o consumo expressão maior de nossa orientação liberal subjetiva (autonomia), os que resistem de forma romântica a reduzir nossa liberdade a opções de compra (não dependência) e os que acreditam na mutação do supereu como expressão maior do empuxo ao consumo (inautenticidade).
À luz das querelasÀs vezes, o sentido das querelas é iluminar a posição do problema, mais do que decidir os termos de sua solução. Argumento que a controvérsia do consumo admite de uma falsa unidade de seu objeto. Por exemplo, o consumo conspícuo é uma marca dos que preferem “queimar pontes”, deixar as origens para trás, criando uma fuga para a frente como experiência compulsoriamente definida pela necessidade de inventar novos começos. O temor ao passado denuncia a iminente tragédia ou farsa. A coleção de signos funciona como certidão de acesso e antídoto contra a vergonha das origens – como se vê na trajetória de Kurt Cobain, que, apesar da carreira de sucesso, ressentia-se com a solidão.
Mas há o consumo que funciona para reforçar ou comemorar o reconhecimento da origem, impondo-a como decoração obrigatória da nova morada. Atormentados pela ideia de que o triunfo se tornará fracasso, encontram na solidez e permanência do lugar de onde vieram um antídoto para o sentimento de vazio. É o caso de muitos pais demasiadamente protetores, em seu esforço para recriar uma realidade artificial exclusiva para o “consumo interno”, tal qual se viu no caso de Michael Jackson.
Finalmente, há os que tomam como centro de gravidade narcísica o resíduo. Identificam-se com a própria contradição que define seu estilo errante e desprendido. Sem passado nem futuro, desdenham tanto dos ideais de progressivo ajustamento quanto das aspirações de inovação regressiva. São os autênticos que duplicam sua satisfação no consumo pela inveja que inspiram ou imaginam no outro. Consumo conspícuo, críptico e autêntico são modalidades do que Lacan chamou de semblante. Se os primeiros partilham das aparências e os segundos apegam-se à essência das imagens, os autênticos são os que entenderam o verdadeiro conceito de atitude, ou seja, de que a essência da relação de consumo é tomar a aparência como aparência, de acordo com a lição trazida por Lady Gaga.
Política
Era Temer
Aqui jaz o BNDES
por André Barrocal — publicado 11/11/2016 00h24
O banco sofre a politização, dispensa 100 bi por ordem superior, irrita a indústria e só quer privatizar
Marivaldo Oliveira/Código 19/Ag. O Globo
Em 1952, nasceram o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o brasileiro tricampeão de Fórmula 1 Nelson Piquet e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, então sem o “Social”. Os laços natalícios com personalidades destacadas da cena internacional fazem jus à trajetória da instituição. O BNDES tornou-se no século XXI um dos maiores bancos de fomento do mundo.
Em 2001, desembolsava 25 bilhões de reais e, em 2013, atingia o recorde de 190 bilhões, sete vezes o valor pago de Bolsa Família naquele ano. Hoje, a situação é outra, similar àquela da Petrobras, até há pouco aspirante a figurar entre as dez maiores companhias planetárias. Uma semelhança com toques de Operação Lava Jato, inclusive.
Comandado por uma diretoria de perfil financista, Maria Silvia Bastos Marques à frente, o BNDES sofre uma reviravolta. Por conta própria e ordem do governo, não só por falta de demanda, a instituição se retrai, a fim de dar espaço no mercado de crédito aos competidores particulares.
A pedido de Brasília e para desespero da indústria, topa abrir mão, mesmo com o País em recessão, de 100 bilhões de reais, com a devolução prematura ao Tesouro Nacional de recursos injetados no passado.
A exemplo dos anos 1990, volta as atenções ao repasse de bens públicos ao setor privado, com planos de financiar concessões e privatizações, a começar por uma área, o saneamento, em que a tendência global é reestatizar. Ataques ao banco são respondidos com silêncio pela direção.
O crédito para construtoras metidas na Lava Jato pinga a conta-gotas. Ou é simplesmente negado, como no caso das obras do ramo logístico da Odebrecht, sócia do recentemente esvaziado canteiro da Linha 6 do metrô paulista e capenga para tocar a ampliação do aeroporto do Galeão. A empreiteira, como se sabe, está prestes a selar um acordo de delação na Lava Jato.
Os projetos de todas as construtoras no exterior também não recebem mais verbas, passam por uma revisão no BNDES e despertam cobiça especial por parte do PSDB, da OAB e de auditores e procuradores de tribunais de contas e da força-tarefa da Lava Jato. Será que surgiria daí algo capaz de uso como prova contra o ex-presidente Lula?
Os 100 bilhões de reais que o Tesouro quer de volta entraram no BNDES graças a capitalizações feitas na instituição durante os governos do PT, após a crise financeira global de 2008, mais de 500 bilhões de reais no total. Foi essa injeção que levou à explosão de empréstimos do banco.
Logo ao assumir, em maio, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, resolveu retomar uma fatia, ressarcimento que ainda levaria anos. Pretende pagar parte da dívida pública até 2018 e acredita que os recursos estão parados no BNDES à toa. De janeiro a setembro, os desembolsos da instituição caíram 34%.
A indústria chia. A Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) chamou Maria Silvia para conversar. No dia da reunião, 18 de outubro, seu presidente, Paulo Skaf, um dos líderes empresariais do impeachment, entregou-lhe um documento reivindicatório.

Urgência na liberação de crédito para capital de giro, rolagem de dívidas de pequenas empresas e, item número 1, a manutenção dos 100 bilhões nos cofres do BNDES, entre outras coisas. Quem também tem defendido segurar o dinheiro no banco é o presidente da Associação dos Fabricantes de Máquinas, João Marchesan, para quem é um erro descapitalizar um dos raros instrumentos de financiamento a juro baixo e prazo longo no País.
O reequilíbrio das contas públicas não deveria ser buscado com o sacrifício do banco nacional de desenvolvimento, na visão do economista José Roberto Afonso, do Ibre/FGV. Seria “temerário” esvaziar o caixa em meio a uma recessão e com o banco prestes a botar dinheiro em uma leva de concessões e privatizações.
Mais: exportações são uma saída contra a queda do mercado interno e deveriam ser mais apoiadas. “Financiar exportações e investimentos em infraestrutura exige não apenas um volume expressivo de recursos, como também taxas e prazos compatíveis com os praticados no exterior, ou seja, baratos e longos”, afirma. “É uma contradição cobrar que o BNDES assuma tais funções e ao mesmo tempo lhe tirar musculatura.”
Professor na faculdade Hobart and William Smith Colleges, dos Estados Unidos, o economista brasileiro Felipe Rezende estuda investimentos em infraestrutura pelo mundo e acaba de concluir: 70% deles nascem de aportes públicos e de bancos de desenvolvimento, uma constatação que não escapa ao Fundo Monetário Internacional.
Na Ásia, diz, acaba de surgir o Banco de Investimento em Infraestrutura (Aiib, em inglês), espécie de filhote do CDB, banco chinês de fomento criado nos anos 1990 que hoje é o maior do planeta no ramo, com mais de 1 trilhão de dólares em carteira. “Estamos na contramão do mundo”, afirma Rezende.
Afonso diz não haver liquidez excessiva ou anômala no BNDES, pelo contrário. Seu índice (12%) está abaixo da média dos grandes bancos nacionais (30%). Desidratá-lo agora poderia trazer problemas no futuro, para o misterioso momento em que se espera que a economia decole.
Um dos idealizadores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Afonso apimenta o debate sobre os 100 bilhões ao lembrar que o artigo 37 da lei proíbe uma empresa controlada pelo governo de emprestar ou antecipar recursos para o próprio governo. Uma “pedalada fiscal”.
No governo, sobram dúvidas quanto à legalidade da operação. Por isso há uma articulação política em busca de um atestado de legalidade junto ao Tribunal de Contas da União, o mesmo que criminalizou a “pedalada”.

- Ao trabalho no Rio para estender a rede saneadora. Carecem de esgoto 43% das residências brasileiras (Foto: Leo Pinheiro/Valor)
O tema entrou na pauta do TCU em 26 de outubro. O relator, Benjamin Zymler, deu aval. Seu colega Vital do Rêgo pediu, porém, para adiar a votação. Estava no exterior quando o parecer foi distribuído e não pôde examiná-lo com calma. Ex-senador, está na Corte graças ao presidente do Senado, Renan Calheiros, razão para suspeitar de suas motivações.
A oposição ao governo no Senado mandou ao TCU uma representação com pedido de suspensão da operação dos 100 bilhões, por “patente violação” da LRF. De quebra, solicita providências contra Maria Silvia. Consta que a banqueira anda inquieta.
No interrompido julgamento, Zymler comentou que o BNDES pratica “agiotagem” com o dinheiro parado em caixa, um meio, segundo ele, de garantir aos funcionários polpudas participações nos lucros.
Em julho, quando a Corte encaminhou ao Ministério Público denúncias de irregularidades encontradas no fundo de pensão do BNDES, o ministro Walton Alencar afirmara que o banco pagava “remuneração de um potentado de produtor de petróleo”. (O contracheque de Alencar pago pelo contribuinte naquele mês foi de 44,5 mil reais. Seria o TCU um emirado árabe?)
Os petardos disparados contra o BNDES, como os do TCU, não são novidade, inusitado é o banco ser exposto por sua própria direção e pelo governo, com ações ou omissões. Nenhum dos dois comentários dos ministros da corte de contas mereceu resposta de Maria Silvia e seus diretores.
Idem para uma dura propaganda publicada pelo governo em jornais, em 5 de outubro, intitulada “Vamos tirar o Brasil do vermelho para voltar a crescer”. No rosário desfiado para mostrar a agrura financeira nacional, um atingia o BNDES, sutilmente culpado de emprestar 8,3 bilhões de dólares com juros subsidiados para obras no exterior, enquanto “o Brasil permanece com infraestrutura precária”.
O ataque aborreceu os funcionários, muitos dos quais já andam incomodados com a atual gestão, aos quais Maria Silvia escreveu uma mensagem no dia seguinte em defesa do governo. “O objetivo do anúncio foi expor a grave situação fiscal encontrada pelo atual governo – e não atacar o BNDES.”
Para o economista Thiago Mitidieri, presidente da Afbndes, a associação dos funcionários do banco, os diversos ataques mostram que a instituição “tem sido usada numa disputa política”. Uma disputa alimentada por ideologia, já que o governo e a atual diretoria pensam que o BNDES deve cumprir outro papel, mais modesto e sem concorrer com as privadas, e pelo interesse eleitoral de encontrar no banco provas capazes de incriminar Lula. “O BNDES é um instrumento estratégico para o desenvolvimento do Brasil. Para ele fazer sentido, precisa de planejamento e de um projeto maior de desenvolvimento, não dessa politização que vemos”, diz.
A politização ficou evidente logo após o recente anúncio do BNDES de mudanças nas regras de financiamento às exportações de serviços de engenharia e construção. Já está em curso um pente-fino em 47 projetos, um total de 13,5 bilhões de dólares, dos quais 25 deles já possuem contratos assinados e já receberam 2,3 bilhões de dólares.
As empresas atingidas pela revisão são empreiteiras metidas na Lava Jato. Algumas obras delas no exterior, como em Angola e Moçambique, estão sob escrutínio da força-tarefa em Curitiba. No BNDES, há quem veja nessa revisão uma brecha para acertar Lula, contra o qual até aqui não há provas de crimes.
Se a revisão encontrar irregularidade em algum contrato, talvez sirva para enquadrar Lula na teoria do “domínio do fato” aplicada ao ex-ministro José Dirceu no “mensalão” petista em 2012.
Recorde-se: Dirceu foi condenado, pois a Justiça entendeu ter havido desvio de verba pública de um fundo do qual o Banco do Brasil era acionista, o Visanet. O dinheiro teria sido usado para comprar apoio político à gestão Lula e, como Dirceu era o cérebro do governo, “tinha” de saber que havia corrupção bancada pela Visanet.
Uma raciocínio imortalizado pela ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber no julgamento: “Não tenho prova cabal contra Dirceu, mas vou condená-lo porque a literatura me permite”. Detalhe: o juiz Sergio Moro, da Lava Jato, era assistente dela na época.
A revisão anunciada em 11 de outubro pelo BNDES animou muita gente. O senador capixaba Ricardo Ferraço, do PSDB, defendeu chamar a presidente do banco para dar mais informações a respeito, inclusive porque os atingidos são “empresas investigadas pela Operação Lava Jato”. Em 19 de outubro, uma das comissões do Senado, a de Infraestrutura, aprovou a realização de uma audiência pública com Maria Silvia. Falta marcar a data.
Dois dias depois, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Carlos Lamachia, e três entidades representativas dos auditores do TCU e de procuradores atuantes em cortes de contas escreveram a Maria Silvia. Com base na Lei de Acesso à Informação, pediram que “torne públicos a toda a sociedade os dados relativos a financiamentos externos, operações internas e parcerias com instituições estrangeiras realizados nos últimos dez anos”.
Uma auditoria prévia do TCU identificou 50 bilhões de reais do BNDES para obras de empreiteiras no exterior entre 2005 e 2014.
A disposição da atual diretoria para deixar o banco exposto talvez se explique pelo perfil do grupo que ascendeu ao poder juntamente com o governo Temer. Além de Maria Silvia, privatista empedernida, a cúpula conta hoje com egressos do mercado financeiro carioca, como Eliane Lustosa, diretora de Mercado de Capitais, e Claudio Coutinho, da Área de Crédito.
O diretor de Planejamento, Vinicius Carrasco, da PUC-Rio, reduto financista, é um caso peculiar. Antes de entrar no banco, adorava difamá-lo em blogs e em artigos. Acredita que só serve para atrapalhar as instituições privadas. Um exemplo dessas perorações é o artigo “Abrindo a caixa-preta do BNDES”, publicado em 2015 em O Globo em coautoria com Arminio Fraga.
Para o economista e consultor Antonio Corrêa de Lacerda, de outra PUC, a paulista, o predomínio de visão financista no BNDES prejudica a economia e o setor produtivo. O sistema bancário é “anormal” no País, diz, acostumou-se a emprestar com juros altos demais e prazos de menos.
Uma postura incompatível com investimentos produtivos e em infraestrutura, que demoram para maturar e proporcionam lucros menores do que aplicações financeiras. “O Brasil precisa de uma reforma do mercado de capitais, para ampliar o crédito privado e reduzir juros e spreads. O BNDES poderia ter um papel nisso. Mas isso não está nos planos da atual diretoria”, afirma.
O que está nos planos é privatizar, como nos anos 1990. Com apoio do governo, o BNDES elegeu o setor de saneamento básico como prioridade. Decidiu fazer parcerias com estados e prefeituras, os controladores dos serviços de água e esgoto, para montar projetos e mapear interessados, além de oferecer financiamento, claro.
O experimento possui três cobaias, as companhias estaduais do Rio (Cedae), de Rondônia (Caerd) e do Pará (Cosanpa). Segundo o banco, é necessário expandir a rede saneadora nacional. Além disso, aportes no setor gerariam empregos à base de 20 vagas a cada 1 milhão de reais investidos e possuiriam efeitos multiplicadores na economia.
O País precisa realmente ampliar os serviços. Das residências brasileiras, 43% ainda carecem de esgoto e 14%, de água, informa a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Mas será que a privatização é o caminho? Não é, segundo o Instituto Transnacional, uma rede mundial de pesquisadores sediada nos Estados Unidos.
Seus estudos apontam uma tendência global de reestatizar o setor. De 2000 a 2015, foram 235 remunicipalizações em 37 países, a maioria nos EUA e na França. Uma curva que se acentuou no período mais recente. De 2010 a 2015, houve o dobro de privatizações desfeitas e de concessões não-renovadas, na comparação com a década de 2000 a 2010. Há casos similares inclusive no Brasil.
O motivo dessa tendência? Um brasileiro explica, Léo Heller, mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos e desde 2014 relator especial das Nações Unidas para direito humano a água e esgoto.
As companhias privadas, segundo ele, não conseguem incluir os mais pobres, ou seja, os mais carentes. Além disso, são pouco afeitas ao controle público, por não terem concorrentes. Por essa última razão, é difícil o poder estatal garantir a obediência às regras contratuais, impedir aumentos abusivos das tarifas e punir as empresas. “Privatizar o saneamento não é uma panacéia”, diz Heller, a destacar conclusão similar pelo FMI e o Banco Mundial, entusiastas das privatizações do setor nos anos 1980 e 1990.
Há até um caso nativo a ilustrar os problemas apontados por Heller. Por causa de uma crise de abastecimento de água, a prefeitura de Itu, interior paulista, interveio em 2015 na concessionária privada que administrava o serviço desde 2007 e em junho deste ano rompeu o contrato.
A desestatização da Cedae, empresa na lista do experimento inicial do BNDES, desperta resistência no PSDB, partido das privatizações nos anos 1990. Para o líder da bancada na Assembleia Legislativa do Rio, deputado Luiz Paulo, a Cedae tem finanças e gestão saudável.
Em 2015, lucrou 250 milhões de reais. A quantia ventilada como possível de o Rio arrecadar com o repasse da estatal à iniciativa privada por até 30 anos, 1 bilhão de reais, é ínfima perto dos ativos da Cedae (13 bilhões de reais), de seu patrimônio líquido (5 bilhões) e do déficit estadual em 2016 e 2017 (25 bilhões).
Além disso, diz Luiz Paulo, a privatização fatiada, como defende o BNDES, pode prejudicar a população pobre do interior. “O BNDES quer vender o filé mignon e que a gente fique com o osso. Essa proposta não é séria, foi feita em 15, 30 dias por uma diretoria que não é do setor”, diz.
A propósito: enquanto tudo isso se passa, o banco negocia com o controverso Naji Nahas uma solução para a bilionária dívida da Oi.
















































































































































































































































































































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